quarta-feira, 30 de março de 2011

Segurança Social a quanto obrigas

Chegou a hora de um cafézinho ao lanche. Afinal, o café é uma excelente forma de enganarmos o nosso cérebro e conseguirmos convencê-lo de que estamos rijos que nem um pêro para trabalhar. Mas hoje até tenho desculpa porque a burocracia do nosso sistema de Segurança Social (que não é nem segura, nem voltada para o conforto da sociedade) chega a tirar a vontade de trabalhar a qualquer ser Humano que se preze e que tenha um nadinha de cérebro activo, que se contorce diabólicamente com a falta de qualidade dos serviços prestados nos guichets de atendimento ao pobre desgraçado público.

No passado domingo, fui surpreendida com uma carta da Segurança Social na caixa do correio, certamente esquecida desde sexta-feira, e ainda bem, que me notifica para o facto de ter sido, por vontade de alguém que desconheço, integrada no Regime dos Independentes. A coisa até soa bem, "independente" é uma palavra com a qual tenho algumas afinidades pessoais, não significasse isto que, para além dos milhares de euros que a minha entidade patronal desconta todos os anos para a dita instituição em meu benefício, eu ainda teria de pagar qualquer coisa como 124 euros por mês, graças à minha tal actividade "independente", amplamente conhecida como prestação de serviços a recibos verdes.

Almoço domingueiro de família estragado, uma queda aparatosa instantes depois de ter lido a totalidade da notificação (sim, fui sempre a descer escadas, qual maratonista da corrida da mulher) e uma semana a começar nos serviços públicos da Segurança Social, às 9h00:

- Bom dia, estou aqui porque recebi esta notificação que refere a minha obrigatoriedade de começar a pagar...
- Então o que é que quer? Se a senhora nunca pagou...
- Minha senhora (se há coisa para me tirar do sério é a assumpção por parte de criaturas que nunca me viram antes de que sou uma caloteira nata e que ando para aqui a empatar o sistema com as minhas dívidas), devo deduzir portanto que agora tenho que descontar para duas "Seguranças Sociais", é isso?
- Hã? Não, quem é que lhe disse isso?
- (Exibo a carta já com sublinhados fluorescentes nas frases a que a dita senhora deveria prestar mais atenção).
- Então você (note-se a perda de formalidade no tratamento pessoal) não vê notícias? (Quem? Eu? Notícias? Que é lá isso?) Isto agora é assim, se já paga tem que nos provar. Mas alguma vez descontou? (Quem? Eu? Evidentemente que não... desde os 17 anos que andava a ver se passava despercebida mas já que me apanharam...)
- Sim, minha senhora, eu trabalho desde 1996. À parte do 1º ano de vida activa, no qual os indivíduos estão isentos do pagamento, que sempre descontei, quer por iniciativa "individual", quer por conta de outrem.
- Então preencha isto (mais um papel) e entregue.
- É só preencher isto? (Já não obtenho resposta porque enquanto olho para o dito papel já a senhora, eficientíssima como adiante vamos perceber melhor, se apressava a carregar no botão que faz o número de senhas avançar no placard informativo. Tão tecnológico este nosso Portugal).

14h30, mesmo local:

- Boa tarde, venho entregar este documento que vem na sequência desta carta que recebi.
- Deixe ver... (clique aqui, clique acolá, franzir de testa, óculos a cair, o rato a fazer autênticas demonstrações de skimming tapete fora). Mas esta declaração é mentira!
- (Ai! Juro que todos os aurículos e ventrículos da direita e da esquerda do meu coração bloquearam por breves instantes, levando a um ligeiro arroxear da minha expressão facial) Mentira?
- Pois com certeza! (volume dos decibéis a subir) Estou aqui a ver que só tem descontos feitos em 1997 pela empresa "X" e em 1998 pela empresa "Y", a partir daí nunca mais pagou! (Volte a notar-se a rejeição nata de algum erro informático que lhe possa estar a dar tal informação. Não, computadores amarelentos não falham. Mulheres na casa dos 30 mentem, isso sim, são tramadas).
- Eu estou a dizer-lhe que toda a vida descontei, eu tenho aqui os documentos do IRS de 2010 que o comprovam. (Tempo perdido. A senhora não consegue ler e interpretar mais nada que vá além das parangonas da TV Guia).
- Então tem mas é que trazer um papel (outro?! Inacreditável!) do seu patrão a dizer que lhe está a fazer os descontos.


Naturalmente que a direcção de Recursos Humanos da empresa para onde trabalho me garante que todos os descontos estão a ser feitos para a Caixa dos Jornalistas mas que não é competência da empresa passar um "papel" a declarar isto mesmo. E aqui é que está o busílis da questão. Os serviços centrais da Segurança Social não têm qualquer ligação ou forma de acesso às outras "Caixas", o que levou a funcionária acima referida a assumir que pouco ou nada descontei para a minha futura reforma. Efectivamente, desde Agosto de 1998 que desconto para a Caixa dos Jornalistas. Entretanto, e depois de me ter sido dito que o e-mail da Caixa dos Jornalistas não está a funcionar (!), vi-me obrigada a recorrer a uma instituição pública para enviar um fax com a solicitação, por escrito, do pedido de uma declaração com a tão desejada informação e justificando o motivo pelo qual necessito desse "papel".

Quando o "papel" estiver pronto, o que já percebi que pode levar algumas semanas, junto-o ao outro "papel" onde declarei estar a descontar por conta de outrem (e não menti), tiro uma manhã de folga no meu trabalho e volto a encontrar-me com a simpática, acessível e atenciosa funcionária que, por certo, vai encontrar qualquer outro motivo para duvidar da autenticidade dos meus descontos.

Portugal, tal como a APDSI já deu a conhecer, está entre os países com mais condições físicas e tecnológicas para aumentar a sua competitividade, no entanto, não o faz. Porquê? Burocracia? Limites humanos? Imposição de pequenos poderes? Este parece-me ser mais um caso em que o SIMPLEX não passou das suas boas intenções já que se mantêm estas barreiras incompreensíveis em pleno séc.XXI quando a prova da minha "inocência" e do erro dos serviços da Segurança Social depende de um molhinho de papéis, de consideráveis contratempos e burocracias inúteis.

A questão da ausência de redes comuns e do fantasma do cloud computing, bem como a inexistente formação de funcionários para lidarem correctamente com os respectivos equipamentos informáticos, leva a esta multiplicação de entidades semelhantes, paralelas e redundantes. Para quando uma Segurança Social única?

Sem comentários: