Tendo em conta que os direitos de autor são uma matéria em constante mutação, Tiago Bessa, associado coordenador da VdA e o promotor da sessão, procurou simplificar que a cópia privada não é pirataria, mas sim um direito de todos nós se for realizada por pessoa singular, para uso privado e sem fins comerciais diretos ou indiretos.
De recordar que a maioria dos Estados Membros consagrou o direito à reprodução lícita «que nada tem a ver com pirataria», acrescenta o advogado.
A Lei da Cópia Privada é uma lei que já existe desde 1998, tendo sido revista em 2004, e novamente agora em 2015. A lei já se aplicava a suportes físicos como cassetes, CDs e DVDs e agora vai passar a abranger também os suportes digitais (como os discos externos e as Pen USB, por exemplo). A premissa da lei é que, enquanto clientes, devemos de pagar uma taxa de utilização desses suportes (físicos ou digitais) compensando assim os autores pela pressuposta cópia privada das suas obras para esses suportes.
No que concerne ao âmbito de aplicação, a lei não se aplica a programas de computador e bases de dados constituídas por meios informáticos; aplica-se a todos os aparelhos que permitam a fixação de obras e suportes materiais virgens (smartphones, discos externos, cartões de memória, leitores de mp3 e tablets).
A aplicação a aplicação da lei aos smartphones está a ser polémica e a questão já coloca a hipótese de surgir algum fabricante que admita ser possível separar a capacidade utilizável do aparelho para a reprodução de obras protegidas, resultando numa compensação equitativa.
23 Estados Membros adotaram mecanismos de compensação aos autores. Essa compensação pode ser feia através de mecanismos privados ou mediante o pagamento diretamente pelo Estado, como acontece em Espanha, que tem dotação orçamental para compensar os titulares de direitos pela cópia privada. «Não há um instrumento da União Europeia que harmonize os objetos e os valores a aplicar sobre eles», esclarece Tiago Bessa, podendo ser este um dos problemas na transposição da lei para Portugal onde, naturalmente, também houve mudanças sociais: «O comportamento dos utilizadores mudou, a forma de consumir conteúdos mudou».
É muito comum a responsabilidade pelo pagamento recair num terceiro. Na lei nacional, a responsabilidade pelo pagamento incumbe ao primeiro adquirente (que a lei não define) e a responsabilidade pela liquidação e entrega à AGECOP incumbe aos fabricantes e aos importadores
Conceição Gamito, associada coordenadora da VdA, esclareceu para onde vai a receita gerada com a lei que é aplicada antes de lhe ser acrescentado o IVA. A parcela áudio e audiovisual é distribuída da seguinte forma: 40% para organismos que representam autores, 30% para organismos que representam produtores de fonograma e videogramas e 30% para organismos que representam artistas, intérpretes e executantes. Já a parcela das obras escritas é mais simples: 50% organismos que representam autores e 50% organismos que representam editores. As sanções para quem não cumprir com os pagamentos podem ir até aos cinco mil euros.
Há, todavia, algumas isenções previstas para aparelhos e suportes adquiridos por quem exerça determinadas atividades em áreas como a comunicação audiovisual ou produção de fonogramas e videogramas, no apoio a pessoas com deficiência, na salvaguarda do património cultural móvel, também os atores que exerçam a atividade de fotógrafo, designer, arquiteto e engenheiro ou outra profissão artística, para fins clínicos, missões públicas da defesa, justiça, segurança interna e investigação científica e garantia de acessibilidade por pessoas com deficiência, nos sistemas de processos automatizados de gestão documental e de dados e na exportação.
Sofia de Vasconcelos Casimiro, também advogada e especialista em telecomunicações, media privacidade, proteção de dados e cibersegurança, alertou para algumas zonas ainda sombrias na lei: «O sistema atual, que procurou apenas estender à cópia digital o regime vigente na cópia analógica, precisa ainda de ser melhorado porque pode gerar a responsabilização de utilizadores pela mera navegação em rede e permite a dupla cobrança por uma mesma utilização». As discussões à volta do regime geral da cópia privada só surgiram depois das tecnologias de informação e comunicação passarem a estar disponíveis para o grande público. «O direito de autor pode evoluir para um direito de acesso mas não é o que acontece agora», concluiu a advogada.
No debate, intitulado “A Visão do Mercado”, foram ouvidos representantes das entidades envolvidas em todo o processo de aplicação da lei. Ana Isabel Trigo Morais, da APED - Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, diz que a Associação nunca foi consultada durante todo o processo legislativo e lamenta porque «é aqui que os consumidores se vão dirigir para tirar dúvidas e pedir isenções». A representante da APED diz notar «muitas dificuldades em aplicar uma lei que está repleta de perplexidades. Ninguém falou com os retalhistas e é importante que haja uma repartição equilibrada dos lucros sobre todos os envolvidos na cadeia. Tudo isto tem enormes custos burocráticos para as empresas», alerta Ana Isabel Trigo Morais.
Nuno Biscaya, da CIP - Confederação Empresarial de Portugal reconhece a necessidade de adaptação da legislação comunitária a Portugal e ao mercado «que evoluiu» mas diz que esta «é uma legislação polémica. Às vezes a sociedade civil também tem de se juntar e ajudar ao processo legislativo. Agora a lei devia ser revista de dois em dois anos».
Carlos Madureira, da SPA - Sociedade Portuguesa de Autores, diz não entender a “temperatura emocional” tão alta à volta daquela que resume como «uma atualização a uma lei de 1998. A tecnologia evolui muito rapidamente e a forma como nos posicionamos no mercado também evolui de forma muito rápida». Sobre a necessidade de se conseguir um equilíbrio entre entidades de propriedade intelectual e os direitos de consumo, Carlos Madureira sublinha que «a lei não é isenta de críticas nem perfeita; é, neste momento o mecanismo possível».
Sobre esta evolução do mundo e da sociedade, Daniela Antão, da APRITEL - Associação dos Operadores de Comunicações, está de acordo mas põe o dedo na ferida ao dizer que «os padrões de consumo estão a deslocar receita não para os titulares de direitos mas para outro lado. A indústria criativa está a ser bem remunerada num mercado em que todos ganham. Esta lei tem a natureza de um subsídio, de um imposto e não coloca Portugal na cena internacional», refere a responsável que diz não ver outras economias a aplicarem o que Portugal está a fazer.
Finalmente, João David Nunes, da AGECOP - a Associação para a Gestão da Cópia Privada, defende que este é o ponto ótimo para se conseguir uma harmonização em que autores e criadores ganham pelo seu trabalho. «Os autores também vivem da capacidade de respostas das indústrias e a evolução provável é isto vir a ser negociado em termos universais só que os acordos têm de ser com os uploaders e não com os downloaders. A AGECOP não fez a lei mas acredita que mais vale tarde que nunca», rematou João David Nunes. De salientar que João David Nunes tem uma carreira fortemente ligada aos media, tendo sido um dos fundadores da Rádio Comercial, onde foi diretor de programas. Também foi administrador da RDP e da Rádio Televisão Comercial.