Agora parece que se quer "sacudir a água do capote" e acantonar o problema apenas ao Ministério da Administração Interna, sacrificando e estigmatizando negativamente apenas os responsáveis mais directos pelas eleições, nomeadamente o STAPE e a CNE. Também não faltou, em vários diagnósticos ao incidente, um tom acusatório à falta de cidadania dos portugueses. Mas o problema é mais vasto e deve envolver todas as entidades relacionadas directa ou indirectamente com a identificação civil de todos os cidadãos e em particular o Cartão do Cidadão (CC).
Já hoje o CC deveria permitir identificar univocamente o eleitor e não percebemos porque não o pode fazer, como acontece com a data de nascimento, o sexo, o estado civil, a morada, etc. Ou mesmo por conferência (automática ou não) dos dados já existentes
O número (administrativo) de eleitor já não deveria ter razão de ser e mesmo o BI actual deveria ser a chave identificadora para fins eleitorais. Os cadernos eleitorais deveriam ser virtuais e servirem apenas para estimar o afluxo às mesas de voto. Deveria iniciar-se um processo do tipo "single sign on" e "one stop shopping" para o acto eleitoral, em que qualquer eleitor poderia ser identificado em qualquer local de voto no país.
A continuação do recenseamento eleitoral nos moldes actuais é um dos maus exemplos da burocracia portuguesa, que decorre da má gestão e falta de normalização dos endereços geográficos. Não se vê razão para a qualidade de eleitor não ser perene a partir dos 18 anos e o planeamento da localização das mesas de voto não decorrer do zonamento do tipo do INE, que deveria passar a ser multifuncional como já acontece para efeitos do IMI. Para quando uma cooperação séria em matéria de endereços, quando ainda estamos a assistir, no início deste ano, a levantamentos redundantes dos endereços, por parte dos CTT e do INE.
Associar o CC à condição de eleitor faz todo o sentido, pois, a partir do olhar de qualquer cidadão, o CC deveria identificá-lo univocamente para todos os eventos de vida.
Só assim se acabaria com os "mortos-vivos" que ainda constam dos cadernos eleitorais, como acontece em múltiplos sistemas administrativos mais ocultos e que, por isso, não dão tanto nas vistas como este.
Por isso o CC tem tudo a ver com as eleições do futuro e o cidadão comum não percebe porque ainda não é assim hoje. Trata-se apenas de criar um repositório único de identificação civil, fiável, multifuncional e acessível de qualquer local. Ainda sem falar em Número Único.
É evidente que deveria haver um plano de contingência para falhas ou sobrecargas de sistema, o que. por incrível que pareça, não acontece ainda na maioria dos sistemas da administração portuguesa.
Quanto ao voto em mobilidade, que parece ainda não estar na agenda política, se a liberdade e a autenticidade deste acto através de certificado digital no CC for questionada, está-se a colocar em risco todos os actos de e-Gov. Não sabemos o que este acto tem de diferente de uma assinatura digital num contrato ou noutro documento que se pretende seguro e fiável (com confidencialidade, autenticidade, integridade e não repúdio).
Não sabemos porque não se pode avançar já nesse sentido.
2 comentários:
Quando há quase 20 anos me envolvi a sério nos Sistemas de Informação Geográfica, percebi a relutância que existia em criar uma informação única e útil. Pelo contrário tropeçava-se nas várias equipas que efectuavam levantamentos cartográficos, fotografia aérea, ao serviço de entidades - grande parte públicas, cruzando-se várias vezes no terreno, levantando o levantado! No entanto quando se tentava ter acesso a essa informação... ou não existia, ou atingia valores tão disparatados que se desistia.
Até para o INE, em que se tentou produzir informação georeferenciada para acompanhar o censos de 1991 - que se pretendia ver cruzada com os Código Postais e NUTS, os problemas foram muitos e complexos (não me lembro se algo foi feito em 2001). Tendo em conta a nossa dimensão, os milhões de "contos" que já se gastaram em cartografia, devíamos ter a melhor informação georeferenciada da Europa. E o mesmo se passa com o CC. Ideia óptima, tecnologia de ponta, mas...já me referiram ser um problema constitucional o facto de não podermos ter um número único de cidadania. Isto pode colar para quem menos entende de sistemas! Mas eu continuo sem perceber porque não posso votar a partir do éter, com o meu CC! E porque tenho de dar o NIF e o NCC ou o BI ou o NSS! Porque se não é constitucional termos um identificador único como cidadãos, então caso-a-caso seria dada a informação pertinente para a acção em vez de darmos informação que serve para outros, que não os que interessam, cruzarem a dita informação. Certo? Ou alguém ainda acredita que não temos toda a informação cruzada, com ou sem legalidade constitucional?:)
A teoria é boa!
Não permitir alguem que tenha acesso ao meu nr de CC possa ver o meu registo do SNS ou das finanças.
A prática é muito diferente. Especialmente com a informatização dos recursos.
E bem possivel que a constituição nisso tenha que ser revista, mas creio que cairia o Carmo e a Trindade.
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