sexta-feira, 26 de maio de 2017

Manuela Veloso no workshop da APDSI: «Não estamos habituados a ver robôs a andarem ao nosso lado como se fossem pessoas ou animais»

A APDSI realizou, a 24 de maio, um workshop sobre “Desafios Sociais e Tecnológicos na Conceção de Robôs”

Manuela Veloso, professora da americana Carnegie Mellon University (CMU) e co-fundadora da RoboCup Federation, foi a oradora principal do workshop que a APDSI realizou a 24 de maio no auditório da Lispolis - Pólo Tecnológico de Lisboa. Para a professora, que há mais de três décadas se dedica ao estudo e conceção da robótica, ainda há um longo caminho a percorrer para que os robôs sejam autónomos e, principalmente, rumo à sua harmoniosa interação com os humanos, ou seja, como é que máquinas artificiais podem fazer a integração da perceção, tomada de decisão,
estabelecimento de objetivos, planeamento do movimento autónomo e atuarem sobre esses valores. «Não vale a pena alimentarem-se visões catastróficas. Os robôs ainda sabem fazer poucas coisas, terão sempre limitações e vão sempre precisar de nós», afirmou Manuela Veloso.

A líder do departamento de Machine Learning na CMU criou, há alguns anos, os “cobots”, robôs colaborativos que partilham informação entre si e com os humanos. Os seus “cobots”, além de mapearem o espaço onde circulam também executam tarefas: «Não há ninguém que me visite no meu gabinete que não seja guiado por um robô, desde que sai do elevador até chegar ao pé de mim. Eles andam pelo edifício todo e qualquer pessoa pode interagir com eles. Às vezes vagueiam até a bateria acabar», revelou a professora, testemunhando este desempenho dos “cobots” em vídeo.

Os seus parceiros robotizados têm sensores e são extremamente rigorosos quanto à sua localização, o que permite a toda a equipa que com eles trabalha perceber que já andaram mais de mil quilómetros no ambiente da instituição de ensino. Contudo, os “cobots” não podem abrir portas, carregar em botões e, como também não têm braços, não conseguem colocar objetos no seu cesto. Face a estas limitações, a única solução foi recorrer à autonomia simbiótica, explicou Manuela Veloso: «Nesses casos eles pedem ajuda a humanos ou à Internet. Por exemplo, quando chega o elevador eles pedem a alguém: podes carregar no botão para o 7.º andar e segurar a porta para eu entrar? Se as pessoas forem mazinhas e tentarem enganá-los, eles vão perceber que estão a demorar muito tempo para alcançar determinado objetivo, por isso, mandam um e-mail ao seu “dono” a fazer “queixinhas”». A interação dos robôs com os humanos é uma necessidade que se trabalha com recurso à inteligência artificial (IA) e o grande desafio neste momento passa por transformar algoritmos em linguagem. 

Os “cobots” da CMU guiam-se por corredores virtuais pelo que se alguém tapar temporariamente as paredes ou o tentar bloquear, ele enfrentará algumas dificuldades. No entanto, a professora garante que nada no ambiente envolvente o pode fazer divergir da sua tarefa. «Por questões de segurança ele não vai fazer nada perigoso se alguém o tentar prejudicar. Não podemos criar máquinas com as quais não possamos interagir», acrescentou.

Apesar de algumas visões menos otimistas partilhadas no workshop da APDSI, muitas foram as vozes a lembrar que a Humanidade sempre soube reinventar-se e, portanto, apesar de muitos empregos se extinguirem à medida que a robotização avança, outras profissões vão nascer e o Homem vai coexistir com a IA desempenhando o trabalho mais criativo, enquanto as máquinas ficam com as tarefas mais rotineiras.

Carlos Cardeira, presidente da Direção da Sociedade Portuguesa de Robótica, referiu que em Portugal a robótica, do ponto de vista de investigação, está bem colocada face a outros países, sendo o setor do calçado e o da pedra os que mais aplicações de robótica já têm. «O calçado, não era, tradicionalmente uma área de ponta na robotização. Interessa que as novas gerações sejam capazes de absorver isto», referiu. 

Paulo Soeiro de Carvalho, diretor de Economia e Inovação da Câmara Municipal de Lisboa, fez referência às evoluções e áreas de teste que a cidade se prepara para receber neste âmbito: «Estamos atentos aos desafios regulamentares e legais que vão existir para colocar um automóvel a circular em Lisboa, por exemplo. Queremos perceber que desafios éticos e morais se colocam à sociedade».



No painel sobre conceção de robôs no trabalho, na comunicação e no entretenimento, Estela Bicho, professora da Universidade do Minho - Centro Algoritmi, diz que o objetivo dos robôs é «assistir e colaborar com as pessoas» e próximo passo é ter «robôs que aprendem a fazer de acordo com os gostos de várias pessoas».

João Sequeira, do projeto “Multi-Robot Cognitive Systems Operating in Hospitals”, lembra que uma Internet estável é fundamental para o bom funcionamento dos robôs.

Luís Almeida, professor da Universidade do Porto, cético em relação à natureza humana, reconhece que «ensinar um robô a fazer o caminho não tem grande novidade; ensiná-lo a escolher o caminho é o que nos deslumbra».

Patrícia Arriaga, psicóloga e professora do ISCTE, acredita que as relações humanas podem ser aplicadas ao universo da robótica. «Os robôs vão ser personalizados de acordo com o interesse das pessoas (se são mais extrovertidas ou mais introvertidas, mais cooperativas ou mais competitivas). O aspeto deles também vai ser importante porque gostamos de quem tem a imagem mais bonita».

Tiago Ribeiro, doutorando do IST, partilhou a experiência que a faculdade já realizou com robôs a jogarem “à sueca” com idosos.

Pedro Lima, investigador do Institute for Systems and Robotics / IST, quer uma sociedade que consiga «tirar o peso negativo que muitas vezes está associado à chegada dos robôs. Os riscos não são tão grandes como às vezes parecem. É preciso é tomar medidas para que o impacto não seja tão elevado».

António Pires dos Santos, do projeto Watson da IBM, afirma que a empresa está a trabalhar para que os robôs não sofram um ataque de vírus porque «nenhuma organização consegue resolver estes problemas sozinha».

Já no painel sobre impactos e desafios sociais e políticos, Ana Maria Evans, investigadora da FCT e NOVA-IMS em Políticas Públicas, acredita que para Portugal voltar a ser competitivo, depois de ter perdido mercado para países asiáticos com custos de produção muito baixos, tem de investir mais na automação: «O contrato social a que estamos habituados é que vai ser diferente».

Também defensor dos robôs, José Castro Caldas, investigador do CES Universidade de Coimbra, refere que «o desemprego, enquanto fenómeno, existe devido a crises recursivas do modo em que vivemos que pouco têm a ver com tecnologia, embora transformem profundamente muitas profissões. Quando a humanidade pensa em robôs, pensa em algo que possa substituir pessoas. Que diabo de sociedade é esta que está preocupada em criar máquinas que a substitua?».

Isabel Ferreira, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, acredita que um robô é um conceito em evolução e «não pode ter dimensões desproporcionadas».

Questionado sobre a personalidade jurídica dos robôs, Arménio Carlos, Secretário-Geral da CGTP-IN, diz não ter nada contra os robôs: «Venham eles. O problema é outro: estarão ao serviço de quem e com que finalidade? Só estou preocupado porque se fala muito em robôs e tão pouco em pessoas. Paulatinamente vai-se substituindo o princípio do direito ao trabalho pelo princípio do direito comercial».

Por outro lado, Ivan Gonçalves, deputado do partido socialista, defende que os robôs virão transformar a sociedade para melhor: «A automação vai ter consequências no mercado de trabalho e hoje já vemos isso. O nosso modelo de sociedade atual está em risco e isso coloca-nos alguns desafios para a segurança social e para o sistema fiscal».

Ricardo Oliveira, deputado do partido comunista português, está confiante que algumas tarefas, quando automatizadas, vão permitir ganhos de produtividade: «Para o PCP a libertação do ser humano do tempo necessário para a satisfação das suas necessidades é aquilo que ambicionamos e por que lutamos, pelo que a robotização, a digitalização e outras componentes da aplicação económica e social dos avanços da ciência e do desenvolvimento tecnológico, o desenvolvimento das forças produtivas, é algo que consideramos necessário e desejável».

O workshop da APDSI “Desafios Sociais e Tecnológicos na Conceção de Robôs” foi coordenado Luís Vidigal, presidente da Direção da APDSI.

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