quarta-feira, 17 de maio de 2017

APDSI na Assembleia da República: «É preciso mais transparência no serviço público e melhores condições no direito à participação e informação»



Os elevados níveis de abstenção em dias de eleições e o afastamento cada vez maior entre eleitos e eleitores têm estado na ordem do dia de cada vez que se repensam os modelos eleitorais. Por isso, a APDSI esteve na terça-feira, dia 16 de maio, em colaboração com o movimento cívico "Também Somos Portugueses", na Assembleia da República para debater os desafios e soluções que o voto eletrónico em mobilidade implica.

De recordar que uma das muitas causas da APDSI é a descentralização dos atos que relacionam o cidadão com os poderes públicos naquele que a Associação considera "o exercício máximo da cidadania".

Jorge Lacão, Vice-Presidente da Assembleia da República, reconhece que vivemos profundas transformações decorrentes da Era Digital e que as instituições públicas têm de procurar potenciar as tecnologias ao serviço da facilitação da vida em geral: «É preciso mais transparência no serviço público e melhores condições no direito à participação e no direito à informação».

Nesta quarta-feira, dia 17, essa intenção ganhou força com as duas propostas que estiveram em discussão no Parlamento e que pretendem levar mais eleitores a votar. O Governo quer recenseamento automático no estrangeiro e a oposição acrescenta o voto eletrónico.

Jorge Miguéis, ex-Diretor Geral do STAPE - Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral, afirma que o voto eletrónico é uma opção política e que o objetivo da sua adoção é «reforçar a confiança dos eleitores no sistema que temos. Não há desconfianças sérias. É preciso chegar a um processo adequado que garanta a fiabilidade e segurança, aumento das oportunidades de voto, acessibilidade e fácil integração dos eleitores, anonimato, privacidade, integridade do voto e auditabilidade do sistema pelos partidos políticos e entidades credenciadas.

Entre as vantagens do voto eletrónico foi referido o maior número de canais de voto, maior liberdade geográfica relativamente ao local de voto, simplificação de processos e meios, desmaterialização do boletim de voto e atas, maior rapidez na votação, apuramento de resultados e consequente tomada de posse dos eleitos.

Do lado das desvantagens surgem os riscos de segurança informática (viciação/manipulação do software, etc.), riscos políticos, falhas técnicas dos sistemas e a desvalorização do "ritual" cívico inerente aos sufrágios.

Filipe Montargil, professor do IPL e coordenador do Estudo "Democracia Eletrónica" da APDSI, sublinhou que, para a discussão do conceito de voto eletrónico, «é proposta a utilização dos conceitos de participação eletrónica e de teleparticipação, em articulação com o conceito de exercício do direito de voto. A tecnologia não é necessariamente usada noutras fases do processo de votação para outras funções, como a contagem, processamento ou comunicação dos resultados, por exemplo».

Raul Correia, membro do Centre for Excellence for Internet Voting da Estónia, trouxe à conferência/debate da APDSI a experiência do registo eleitoral fora de Portugal, o que ganhou outra dimensão quando estamos a falar de um universo de cerca de 2,3 milhões de portugueses que vivem no estrangeiro, ou seja, mais de 20% da população portuguesa.

Segundo Raul Correia, a votação pela Internet é vantajosa porque «é um voto seguro e verificável; isso é possível hoje graças à encriptação da informação».

A votação pela Internet na Estónia já é utilizada para eleições governamentais desde 2005 (oito ao nível nacional), constitui um meio de votação adicional e, em cinco eleições, a participação começou a aumentar. «As pessoas que votam uma vez pela Internet tendem a votar novamente pelo mesmo canal», diz o especialista. 

O estudo sobre utilização do e-vote partilhado por Filipe Sá Soares, Professor Escola de Engenharia, Universidade do Minho, de 2012, também mostra que 93% dos utilizadores o considera de igual confiança ao sistema votação tradicional, 83% acha fácil de utilizar e se ambos os sistemas estivessem disponíveis, só 8% optaria pelo tradicional em vez do eletrónico. Já o eVotUM foi usado em março 2017 para a eleição dos corpos gerentes da Universidade do Minho e o balanço foi igualmente positivo.

Henrique Saias, System Architect, apresentou o dVote - sistema de voto eletrónico distribuído e auditável pelo cidadão, de forma bastante prática, usando o público presente para testar ao vivo a aplicação. Henrique Saias defende o open source ao invés do sistema fortaleza com data centres blindados, airgaps, firewalls, encriptação forte, redes dedicadas encriptadas e código secreto. «O código fechado é um dos principais focos de perigo», advertiu.

Visão do Parlamento

No espaço dedicado à mesa-redonda, com a "Visão do Parlamento", o deputado Carlos Abreu Amorim, do Grupo Parlamentar do PSD, destacou a importância deste tipo de votação nos círculos de emigração. «Devemos solicitar que haja um projeto piloto não vinculativo para que no futuro possa ser aplicado noutras eleições. Não basta o direito; é preciso ter a possibilidade de votar. Todos têm que ter condições para o exercício do direito ao voto. O voto eletrónico seria uma boa solução». 

Já o deputado Paulo Pisco, do Grupo Parlamentar do PS, referiu as desvantagens e desigualdades entre o voto eletrónico e o presencial: «O voto eletrónico seria o ideal para um país como o nosso que tem comunidades dispersas por todo o mundo. Muitas empresas oferecem produtos para o voto online mas não há garantias de segurança. Os hackers também estão a trabalhar».

A deputada Sandra Cunha, do Grupo Parlamentar do BE, está preocupada com outro ponto do processo de votação eletrónica: «Até que ponto não se pode traçar o caminho inverso e perceber o sentido de voto? Como garantir que não é traçado o caminho para trás? São necessárias mais provas em matéria de resultados e da sua verificação». Uma preocupação que também é partilhada pela deputada Vânia Dias da Silva, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, que também acrescentou a possibilidade de coação.

Finalmente, o deputado António Filipe, do Grupo Parlamentar do PCP, acredita que não será a possibilidade de votar à distância que vai resolver «os problemas da democracia. As questões tecnológicas podem ajudar mas não resolvem os problemas de descontentamento com a vida política. É desejável o voto eletrónico? Será que substitui a participação democrática? Democracia não é lançar umas fogachadas nas caixas de comentários do Facebook».

Para esta conferência/debate a APDSI envolveu os seus grupos de trabalho "Democracia, Administração e Políticas Públicas", "Segurança e Privacidade”, “Desmaterialização e Gestão de Processos” e “Fórum Jurídico”.

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