quarta-feira, 29 de junho de 2016

Germano Veiga sobre o português Stamina: «O termo robô ainda tem um peso grande»



O Stamina regressou no passado fim-de-semana de Munique, na Alemanha, onde representou Portugal na Automatica - uma feira de robótica industrial que decorreu em Munique, Alemanha. O Stamina é um robô desenvolvido em Portugal e que pretende automatizar a tarefa de picking, uma espécie de ida às compras nos armazéns que acontece muito nas linhas de montagem de automóveis. O robô com "sangue luso" pretende melhorar a organização na produção e armazenamento de componentes na indústria automóvel. Segundo o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), entidade portuguesa envolvida no desenvolvimento do Stamina, o objetivo é melhorar os índices de automação abaixo dos 30% que se registam de momento no setor automóvel e em relação a estas operações em particular.

O sistema robótico promete mudar a perspetiva que se tem sobre os robôs atuais que só conseguem trabalhar em ambientes em que tudo tenha uma ordem específica, ficando "desorientados" quando algo sai da norma. O robô está equipado com um sistema de sensorização avançada que recorre a lasers e câmaras para reconhecer o espaço em que se movimenta, enquanto um braço robótico integrado pode ser utilizado em diversas tarefas de manuseamento.

O INESC TEC também apresentou na Automatica outros dois robôs do projeto europeu SMERobotics, juntamente com mais duas empresas portuguesas, a SARKKIS Robotics e a NORFER. O projeto SMERobotics enquadra-se na Iniciativa Robótica Europeia para o Fortalecimento Competitivo das PME na Indústria de Produção e tem como objetivo concretizar a robótica cognitiva num segmento chave para a Europa: a Indústria de Produção. 

Foi há quatro anos que sete instituições se juntaram para criar o Stamina, num projeto europeu que envolve cinco milhões de euros de investimento por parte do 7.º Programa-Quadro da União Europeia. São elas o portuense INESC TEC e também as universidades de Aalborg (Dinamarca), Freiburg (Alemanha), Bonn (Alemanha) e Heriot-Watt (Escócia), apoiadas pela empresas francesas BA Systèmes e PSA Peugeot Citröen. O fim do desenvolvimento está previsto para março de 2017 e a tecnologia encontra-se no laboratório de robótica que o INESC TEC tem na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

A APDSI falou com o eng.º Germano Veiga, um dos investigadores responsáveis pela criação do Stamina, e membro do Centro de Robótica Industrial e Sistemas Inteligentes do INESC TEC que nos apresentou o Stamina: «Na indústria automóvel as tarefas de montagem do carro são feitas numa linha de produção. Antigamente, o stock das peças a colocar num automóvel estava junto à linha de produção mas, mais recentemente, houve uma alteração e, em vez de haver stock junto à linha, as peças passaram a estar num supermercado. Este termo, "supermercado", é mesmo usado ao nível industrial. Há pessoas que percorrem esse supermercado e recolhem as peças que vão ser usadas em determinado carro que depois são entregues na linha, sincronizando com a necessidade daquele modelo específico. Esta mudança de paradigma nas linhas de montagem automóvel facilitou, em termos de espaço, mas exige que alguns operadores façam este trabalho de picking no supermercado. O robô Stamina está focado nesta operação, é ele que faz esta recolha no supermercado e depois faz a entrega na linha. Como estes supermercados foram desenhados para pessoas, trata-se de um desafio tecnológico porque é preciso que o robô tenha perceção, que saiba localizar, ir buscar e agarrar as peças que pretende, mas em traços gerais é este o desafio do robô Stamina».

APDSI - Ele consegue, portanto, encontrar e evitar obstáculos mas consegue, também, ter um papel no cálculo de stocks?
GV - Não era um dos objetivos iniciais mas durante o desenvolvimento do projeto encontrámos uma forma de usar esses sensores do robô durante o seu movimento, ou seja, ele vai a cumprir a sua missão, recolhe os seus dados do ambiente, e vai confirmando com a base de dados a informação sobre o stock do supermercado. Vai comparando se aquilo que está a ver, está em conformidade com a informação da base de dados. Isto é muito importante porque o robô não deixa de fazer o que estava a fazer mas consegue integrar essa informação com o sistema da casa-mãe, a Peugeot Citröen. Atualmente os operadores quando vão recolher uma peça, se encontram alguma no supermercado que não está em conformidade, emitem um alerta para um responsável de linha verificar o que se passa. O robô vai fazer a mesma coisa.

APDSI - Como foi a receção ao projeto português na feira Automatica?
GV - Foi boa. Este manipulador móvel faz parte dos robôs que ainda envolvem alguma novidade, ainda despertam muita curiosidade, principalmente pela sua dimensão, o Stamina tem uma carga considerável. De forma geral foi muito bem recebido.

APDSI - Nesta altura o projeto já está finalizado ou ainda vai ser alvo de melhoramentos até 2017?
GV - Ainda vai ser melhorado. Vamos fazer o teste final na fábrica no início do próximo ano. Ainda há caminho a percorrer, especialmente para tornar o sistema mais robusto e aumentar a sua performance.

APDSI - Como é que o Germano reage quando lhe dizem que este tipo de robôs está a acabar com o emprego tradicional?
GV - [risos] Vou começar por dar o exemplo da PSA Peugeot Citröen. Este robô específico vai começar por ser usado em França e nas fábricas da Europa, de um modo geral. Na fábrica francesa, que tem uma estrutura já antiga, os responsáveis dizem que, ou se arranja uma solução deste tipo, ou a fábrica terá de fechar porque, hoje em dia, pelo baixo custo de um automóvel, não é possível investir numa nova fábrica na Europa. Se o grupo o fizer, vai fazê-lo na Ásia. Ou seja, o robô é uma necessidade para manter os empregos que já existem porque a competitividade destas fábricas é reduzida. Numa perspetiva mais geral, os robôs não roubam assim tanto emprego. Há uns três ou quatro milhões de robôs no mundo todo. Há alguns, como as máquinas de lavar a roupa ou de café, que, esses sim, tiveram um maior impacto no emprego. Há cinco ou seis milhões de máquinas de vending só no Japão e essas é que roubam emprego. Mas o termo robô ainda tem um peso grande. A máquina de café, mesmo que esteja a substituir alguém, não a vemos como um robô. Mesmo dentro da estrutura produtiva de uma fábrica, pegar em peças de 12 ou 15 quilos é uma tarefa muito pesada e as pessoas se estiverem livres de fazer tal coisa podem até aumentar a sua produtividade dentro da PSA e, logo, a competitividade da empresa.

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